segunda-feira, 30 de abril de 2012

Poesia Japonesa 3 - Sabedoria


A segunda lição é que os Japoneses são excessivamente organizados. Achei piada quando comecei a ouvir a descrição, até pelo que já aqui confessei. Mas à medida que ia ouvindo pormenores, sentia-me uma principiante em matérias de organização.
Contou a minha Professora de Poesia Japonesa (hei-de falar acerca dela num post específico) que os Japoneses são excessivamente organizados - e sublinha a palavra "excessivamente".
Organizam tudo, planeiam tudo, pensam em tudo, analisam todas as hipóteses, ponderam custos e benefícios, comparam tudo o que é comparável e o que não o é. As mais pequenas decisões domésticas podem ser verdadeira ciência.
Contou ela que os feriados nacionais, por exemplo, são planeados de um ano para o outro. Isto é, as famílias decidem este ano o que vão fazer no feriado de Junho ou Outubro do ano que vem. Como têm poucos dias de férias, os feriados são autênticas celebrações nacionais. E preparam meticulosamente esse programa, para onde vão, com quem vão, o que levam, qual o percurso, etc.
Há, nessa medida, Poetas Japoneses que demoram anos a escrever um Poema. Anos a escrever um conjunto de Poesias coerentes. Anos, décadas até, a reflectir a poesia, tal a obsessão pela métrica, pela carga simbólica, pela mensagem, pela envolvência, pelo ritmo, pelas sílabas, pela cadência, pelos versos, pela estrutura, pelo conteúdo, pelos elementos que têm de constar no texto, pelo respeito pelas regras dos Mestres de Poesia.
Um mundo mágico ancestral, em que a sabedoria da idade é valorizada como uma fortuna. As rugas e os cabelos grisalhos são tesouros. As mãos, porventura trémulas, escrevem palavras certas. Idade. Respeito. Sabedoria.





Poesia Japonesa 2 - Diferença

A primeira lição genérica que aprendo é que se algum dia tratar um japonês como se fosse chinês, ganho um inimigo para a vida inteira. "Min não sêle chinês; min sêle japonês". Não me esquecerei!




sábado, 28 de abril de 2012

Poesia Japonesa 1 - Aventura

Estou a fazer um curso de Poesia Japonesa.
Inscrevi-me num impulso. Consciente de que o meu tempo é curto, entre a rádio, o doutoramento, as aulas a que assisto, as aulas que dou, as conferências e seminários, o volley, a vida, os livros, os mimos, fui inconsciente no impulso: "não posso perder, hei-de arranjar tempo para isto".
As aulas são maravilhosas, uma aventura, uma descoberta, um mundo novo. É como entrar num filme ou num romance, é como ser personagem de um livro. Tudo é diferente.
Subo o elevador até ao quarto andar, onde vou ter aulas. Olho-me ao espelho. Estou mal encarada. Aquela luz de cima, também não favorece. Que olheiras... Sim, sinto-me cansada. Pestanejo mais perto do espelho. Que figurinha. Ainda bem que subo sozinha.
Depois dos primeiros segundos em que me desagrada o que vejo ao espelho, descolo do meu mundo. Começo a transformar-me. Poesia Japonesa? Só pode ser muito bom... Olho-me desconfiada novamente, agora mais longe do espelho fugindo do foco de luz na cabeça, já com um sorriso de entusiasmo pela proximidade da aula. Parece que já me vejo oriental. A minha imagem reflectida no espelho já é outra.
O meu trajecto de dois minutos no elevador é a minha câmara de transformação. Faço ali a minha expurga das notícias da política, da economia e da crise. Mato ali, naqueles segundos, os meus políticos, os meus Ministros, os meus Deputados e apago num ápice os números negros da economia que tenho que saber de cor.
A porta do elevador abre-se. Saio, confiante. Há um burburinho discreto no hall. Entro na sala. Estão umas vinte e poucas pessoas, algumas sentadas, outras ainda de pé. Olho em volta. Olham-se todos uns aos outros. Há jovens universitários, alguns porventura desempregados, há dois casais de namorados (que bonito, que poético), há meia dúzia de senhoras com ar de professoras, um ou outro senhor grisalhado, alguns reformados, há um rapaz vestido de negro cheio de piercings, há gente, há pessoas. Olhares. Curiosidade. Sento-me na primeira fila, para ouvir tudo, beber tudo, aprender tudo, apreender tudo.
Poesia Japonesa. Meto-me em cada uma...


domingo, 22 de abril de 2012

Metro a metro

Gosto de andar de transportes públicos nas cidades que visito. Penso que aí está a essência das pessoas, do ritmo e do verdadeiro pulsar da cidade. Mesmo quando não tenho tempo para explorar as linhas de autocarro ou o rendilhado do metropolitano procuro fazer a minha observação.
Espreito para dentro dos autocarros, vejo quem lá vai, se estão sentados ou de pé, se ouvem música, se conversam, se dão gargalhadas, se lêem, se lêem jornais ou livros.
Fixo os motoristas dos autocarros. Se estão com ar stressado ou descontraído, se têm bigode ou barriga, se são jovens ou velhos, cabelos curtos ou longos, se têm piercings, se sorriem para quem entra, se esperam por quem, atrasado, corre atrás do autocarro ou lhes fecham a porta na cara.
Gosto de descer até ao Metro. Sempre que posso percorro algumas paragens de Metro. É a hipoderme das cidades. Tenho sempre curiosidade para descobrir se há quem esteja a actuar nos corredores. Um saxofone? Uma guitarra? Uma flauta? Uma voz? Um cantar que ecoa desde lá do fundo, como uma serpente que chega às bilheteiras? Chego a descer as escadas de acesso e entrar no átrio apenas para observar o frenesim das estações, o burburinho das entranhas da cidade.
É um laboratório de comportamento humano. Uma verdadeira escola sociológica.


sábado, 21 de abril de 2012

Assim-assim

 É considerada a capital política da Europa e quase toda a gente que conheço já por ali passou alguma vez. Ninguém vai para Bruxelas de férias. As pessoas vão "a" Bruxelas, que é muito diferente de ir "para" Bruxelas. É sempre um lugar de passagem.
 A cidade enche-se entre terça e quinta feira com todos os que trabalham para as instituições europeias - os eurocratas, expressão que os próprios detestam mas os locais adoram, irónicos. A segunda-feira é um vazio, a sexta-feira é mais ou menos, depende. O fim de semana é um autêntico deserto.
 Diariamente quase tudo fecha às 18h. Um jantar a horas decentes, para eles, é às 19H/19.30H. Às 21h, na maior parte dos restaurantes, os empregados já olham impacientes para a nossa mesa, para nos apressarem a pedirmos a conta e sairmos dali para fora. Fica no coração da Europa, dali é fácil dar um salto a qualquer outra cidade. Estar em Bruxelas e ir, por exemplo, jantar a Paris é um must do! Ainda não foi desta que pude fazê-lo. Gosto da ideia de centralidade, de tudo estar à mão, perto de vários países e imensas cidades que quero conhecer.
 Mas Bruxelas é uma cidade estranha. Misto de bom e de mau. É uma cidade estranha em que não me sinto bem nem mal. Não sei se gosto ou não. Há momentos ou dias em que gosto e acho que conseguiria gostar muito, ao ponto de ali passar uma temporada profissional. Mas há outros momentos ou detalhes que rapidamente me demovem dessa hipótese. Não sei bem explicar. É um assim-assim. Talvez sim, talvez não.

 Dizem que o tempo é sempre cinzento, é quase sempre verdade. Faz-me falta o sol.
 Dizem que quase não há verdadeiros belgas em Bruxelas. Não sei se me cruzei com algum, gostava de perceber a diferenças.
 Há um cheiro estranho, diferente do cheiro de Lisboa. O cheiro das pessoas é bastante diferente, menos arejado. Há cheiros de náusea, adocicados, enjoativos, de fugir. Mas as ruas cheiram a chuva, a terra molhada.
 Há bicicletas, centenas de pessoas a andar de bicicletas, como se a chuva e o frio não perturbassem. Gostava de poder pedalar em Bruxelas.
 E há esplanadas com muita gente a beber cerveja ao fim da tarde como se fosse sempre fim-de-semana.

 E há tulipas nos jardins.



 Ninguém pisa ou danifica as tulipas de Bruxelas. Ninguém arranca as tulipas amarelas que enchem as alamedas. E há brancas ali mais à frente. E vermelhas no canteiro ali à esquina. Um mar de tulipas coloridas, organizadas. Mas também ninguém pára para as contemplar, apenas os turistas ou temporários como eu.
 Detesto a estátua do menino a fazer xixi - tem algum jeito?
 Não há mar. Isso é mau. Não gosto de Bruxelas, assim. Onde iria ver o mar? Onde iria ver a espuma e as ondas e o horizonte e as algas e as conchas e a areia e o azul e o verde? E o som das ondas a baterem nas rochas? Onde iria sentir o cheiro do mar?

Tem o Magritte...




 Mas o café é mesmo muito mau.
 Não se come bem nem mal. Às vezes come-se bem, já comi muito bem em Bruxelas (ostras também). Mas também já comi horrivelmente. Sempre caro, para os nossos padrões. Gosto de cerveja. Gosto de provar as várias cervejas que lá existem. Gosto de me perder a ver a ementa de cervejas e provar as diferenças. 

 Adoro chocolates, será porventura um dos meus vícios. Até nisso, a cidade é estranha. Comer um chocolate artesanal numa chocolataria tradicional pode ser a mais maravilhosa e pecadora experiência. O cheiro à entrada de cada chocolataria, as cores, os aromas, os tipos de cobertura, as misturas com as frutas, os açucares, o cacau puro de todas as partes do mundo, as fontes que pingam chocolate e onde apetece enfiar os dedos e libertar a língua.
 Quase gostava de ter uma chocolataria em Bruxelas. Uma chocolataria com livraria de poesia, tudo no mesmo espaço. Muitos sofás e almofadas pelo chão, luz acolhedora, aberta até tarde, uma lareira na sala grande, janelas altas até ao tecto, fotografias grandes nas paredes, música a sair de um gira-discos. E estantes de livros de poesia e contos mágicos intervaladas com fontes de chocolate. Fios de chocolate espesso, castanho, intenso, aveludado a caírem sobre poemas talhados na pedra. Venderia bombons de Sophia, Pessoa, Ruy Belo, Ramos Rosa... - "um bom-bom Sophia com recheio de frutos silvestres, s'il vous plaît!"
Ah, sim... Acho que adoraria ter uma chocolataria em Bruxelas...



segunda-feira, 16 de abril de 2012

De avião

Gosto tanto de viajar. Sinto sempre um nervoso miudinho quando me preparo para sair. Adoro andar de avião, não é isso que me provoca a borboleta na barriga. É a descoberta, a aventura, a novidade.
Vou para uma cidade que já conheço, já lá fui várias vezes. Será mais uma viagem em trabalho por isso não terei grande margem para passeios. Mas é sempre uma aventura.
Gosto de olhar os rostos, os olhos, fixar os olhares das pessoas com quem me cruzo. Gosto de lhes procurar a expressão - em que pensam as pessoas, que histórias estão por detrás daqueles rostos fechados, gosto de provocar sorrisos a quem estabelece contacto visual comigo. Que vidas terão? O que os trouxe ali? Estarão de passagem, como eu? Serão mesmo de lá? Quem os espera no avião à chegada?
Gosto de ver como andam as pessoas para cá e para lá, umas atarefadas, outras descontraídas. Gosto de observar os que parecem perdidos em aeroportos, em cidades novas, em ruas estranhas à procura de uma resposta, de uma saída.
Gosto de ouvir o som das cidades, o burburinho das vozes, o ruído de quem passa, um som de fundo numa outra língua.
Amanhã cresço mais um bocadinho.

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Manual de sobrevivência para o dia de hoje

Beijar 1: tocar levemente com os lábios sobretudo no rosto ou na mão, geralmente de pessoas, para cumprimentar, agradecer, agradecer ou em sinal de amizade, amor ou respeito.

Beijar 2: pressionar, com a boca, a boca de outra pessoa ou outra parte do corpo, em sinal de paixão, de amor.

Beijar 3: tocar com os lábios em alguma coisa, sobretudo em sinal de devoção.

Beijar 4: tocar levemente, suavemente.

Beijinho: a melhor parte de alguma coisa.

Beijo 1: toque com os lábios em alguém ou alguma coisa, em sinal de respeito, afecto, desejo, ou simplesmente como cumprimento.

Beijo 2: contacto leve, semelhante ao toque suave dos lábios em alguma coisa.

Beijocar: dar beijos, por vezes repetidamente e geralmente com ruído.

Beijoqueiro: que dá muitos beijos, que gosta de beijocar

(In Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, Academia das Ciências de Lisboa)

Beijar, beijar, beijar

Eu beijo. Tu beijas. Ele beija. Nós beijamos. Vós beijais. Eles beijam. E somos todos felizes. Dia Mundial do Beijo. Celebremos!

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Outra coisa

Sinto que ando sempre atrás de alguma coisa. Às vezes canso-me de correr atrás de alguma coisa. A natureza humana (ou serei só eu?) é estranha. Nunca estamos satisfeitos. Eu, pelo menos, não estou nunca satisfeita. Que coisa? Alguma. Não sei, uma qualquer. Outra coisa diferente. Uma insatisfação. Uma procura. Um incómodo de quem está à espera que aconteça alguma coisa. E algo se passa. Passa-se sempre algo. Vem sempre algo porque a vida não pára. Mas volto ao mesmo. Deixo passar. Não era aquilo de que estava à espera. Há-de vir a seguir, a "tal coisa". Que não sei qual é. Também não era isto que eu queria escrever hoje. Era outra coisa.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Estudos sobre o poder - número 1

As mulheres (que acham) que têm poder não gostam de ser entrevistadas por mulheres. E são tendencialmente arrogantes, indisponíveis e antipáticas. E gostam de afirmar o poder (que acham) que têm perante as mulheres que as entrevistam.

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Estudos sobre o poder - número zero

Sou jornalista e trabalho diariamente com as pessoas, supostamente, mais influentes e poderosas do meu país: políticos, ministros, deputados, presidentes disto e daquilo, chefes de tudo e mais alguma alguma coisa, decisores públicos e privados, administradores, empresários, gestores, comentadores, opinion makers, jornalistas, académicos, etc, etc, etc.
Acho que tenho material suficiente para começar uma enciclopédia acerca do comportamento humano nas suas relações com o poder.
Inicio aqui uma sequência de estudos empíricos sobre o poder.
Como todas as generalizações, esta pecará do mesmo defeito - ser generalista. Haverá sempre excepções que confirmam a regra. E também quero desde já avisar: qualquer coincidência com a realidade é pura coincidência. Sempre que se tente encontrar um nome, dos que entrevistei nesse dia ou nos tempos mais recentes, que encaixe no perfil que tracei é mesmo uma pura coincidência.

domingo, 1 de abril de 2012

Para onde voam os pássaros quando há relâmpagos?

O relâmpago é a sobrancelha franzida das nuvens. Uma ruga profunda. O melhor amigo do relâmpago é o trovão (como pode algo ser amigo do tal relâmpago?). Uma variz no céu. É o céu virado do avesso depois de uma discussão com as estrelas. É uma alma ao contrário, desarranjada. É a gritaria depois do vento. Assusta até os Oceanos. O relâmpago é uma cicatriz na lua. É um tiro ensurdecedor. Estremeço. É um rasgão abrupto. O relâmpago obriga-me a fechar os olhos (não quero fechar os olhos). Tapo os ouvidos com as duas mãos, com tanta força que me ouço respirar (não quero tapar os ouvidos). Tenho medo. Para onde voam os pássaros quando há relâmpagos?