sexta-feira, 20 de julho de 2012

A desfazer histórias

O melhor das férias? Ler um livro num ápice, em dois dias, coisa que já não fazia há muito tempo. Mergulhar na história com uma intensidade tal que vejo os rostos das personagens aqui, à minha frente. Entro-lhes em casa. E elas na minha. Conheço-lhes as divisões, a sala de estar, o espelho onde se arranjam, o som da fechadura da porta, a vista da janela do quarto, o café onde se juntam com os amigos. Conheço-lhes a vida.

Ler, principalmente de seguida, tem esta enorme vantagem: tudo é mais real, mais próximo, mais verdade. Deixamos a nossa realidade lá fora, antes da primeira página e entramos. E ali estamos, em silêncio, a assistirmos à vida delas, as personagens. Chego a sussurrar "que parva, esta gaja" ou "não vás por aí, Humberto!". Não me ouvem, continuam na vida delas como se eu não tivesse falado.

Viro mais uma página. E outra, e outra e passaram mais duas horas. No palco do meu livro todas aquelas vidas continuam em sobressalto. E eu, deitada, à sombra a assistir aos seus tormentos. A observá-los atentamente: como se movem na sala, como dormem juntos, como se falam...

Gosto do teu quadro, Aleixo! Agressivo, mas marcante. As cores, o rosto dela, gosto até do cão deitado, tal como está, meio disforme. Não tentes mudar. Deixa como está, Aleixo. Guilherme? Pára! Olha que fecho o livro e não pintas mais hoje!

A vida deles. E eu ali mesmo à sua frente. A invadi-los. A comentá-los. A modificá-los. E eles vivem no meu livro.

Tão presente e tão real, que consigo imaginar-lhes o timbre de voz, quase o sotaque. Da Maria dos Remédios palpita-me o cheiro das suas roupas, o corte de cabelo. E aqueles brincos, sem dúvida Maria dos Remédios, ficam-te mal.

Ler é um luxo. Um prazer sem limites. Ouves-me, Humberto? Por que não olhas para mim quando te falo? Humberto? Vou desfazer a tua história. O que é real, afinal? O que vale? A tua história? Ou a minha visão da tua história? Baixa o som do rádio, por favor, estou a falar contigo.


PS: O livro em causa: "Bolor", de Augusto Abelaira



"Bolor: mãos que preparam, mãos que fazem e desfazem
Ir desfazendo sempre a história à medida que a escrevo?"
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Augusto Abelaira



sábado, 14 de julho de 2012

A meu favor tenho


"A meu favor tenho o teu olhar 
Testemunhando por mim 
Perante juízes terríveis: 
a morte, os amigos, os inimigos. 

E aqueles que me assaltam 
À noite na solidão do quarto 
Refugiam-se em fundos sítios dentro de  mim 
Quando de manhã o teu olhar ilumina o quarto. 

Protege-me com ele, com o teu olhar, 
Dos demónios da noite e da aflições do dia, 
Fala em voz alta, não deixes que adormeça 
Afasta de mim o pecado da infelicidade."


Manuel António Pina, in "Algo Parecido Com Isto, Da Mesma Substância"









quinta-feira, 5 de julho de 2012

Vergonha maior

Cada centímetro de muro é um quilómetro de vergonha...  Impressionada com tamanha brutalidade... O peso da história, aqui em Berlim, é muito mais cruel. Como foi tudo isto possível?  Aqui estou, em silêncio, incomodada, perplexa, junto ao muro verdadeiro da vergonha maior desta Alemanha. 

terça-feira, 3 de julho de 2012

A crescer

De viagem outra vez. Cresço a cada viagem que faço. Por estes dias cresço mais um bocadinho. Quero acabar velhinha, muito velhinha, mas gigante.