A idade é uma soma de letras que pesa toneladas. O meu Avô
fez ontem 91 anos. Noventa e um por extenso ainda parece mais. 91 anos… Quase
comecei a escrever que 91 é imenso, uma vida, um quase século, uma quase
barbaridade. Mas parei a tempo. Não é. 91 anos passam num estalar de dedos. “Passou
num instante”, diz-me ele. Acredito.
Os noventa.
Noventa vem de nove. Mas também podia vir de novo: dos que
aprendem a viver de novo. Com as dores do corpo minguante. Com ranger dos
ossos. Com o sangue preguiçoso. Com as pernas que não reagem. Com o cheiro da
pele que está velha, branca e flácida. Com o desprezo dos [outros] novos. Com a
cabeça lúcida em contagem decrescente. Com a falta de tempo dos outros. Com o
espelho que lhe cospe impropérios.
Aos noventa, o que se pensa? O que se faz? Que planos? Que
vida?
Há uns dias li um texto no Público, da Alexandra Lucas Coelho, que se chamava simplesmente “Dona Cléo”. A Dona Cléo tem 96 anos, vive
no Rio de Janeiro, e diz-se que é a maior “lusitanista” brasileira. Diz que leu
Os Lusíadas numa tarde. Diz que uma das secções de autores portugueses mais
pequena da sua biblioteca é a de Gil Vicente “com umas três prateleiras”. Diz
que aos doze anos já sabia 200 poemas. Diz que passeou em Lisboa com Cardoso
Pires e Abelaira. Diz-se admiradora incondicional de Sophia. Não diz, mas tem
96 anos. Noventa e seis. Extensos.
Hei-de, aos noventa, lembrar-me de Dona Cléo. Acho que vou
chegar lá, aos noventa por extenso. E penso – estupidamente – que falta muito tempo.
Não falta. Passam num instante, disse-me o meu Avô.
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