segunda-feira, 31 de março de 2014

Impossível?

Apetecia-me escrever. Mas sobre o quê? Olhei para a janela e estava a cair uma chuvada cinzenta e pesada. Não, não vou escrever sobre o tempo. Parece conversa de elevador. Não faz sentido escrever sobre o tempo. Então, e esta chuva que nunca mais pára, já viu? É verdade. E está fresquinho, ainda por cima. Pois é. Nem parece primavera. Esta conversa, tenho com os taxistas que me levam ao som de fado popular para o centro de Lisboa. Não ia escrever sobre o tempo.

Mas apetecia-me escrever. Mas sobre o quê? Sei lá… Escreve qualquer coisa. Sim, sobre qualquer coisa. Mas tenho que escolher um tema ou um assunto de qualquer coisa, compreendes? Que disparate, é lá preciso pretexto para escrever? Pois eu acho que sim. Escreve sobre o teu fim-de-semana. Não, o que é que isso interessa às pessoas em geral? Interessa, sim. Diz o que fizeste, onde foste. Mas isso não é demasiado íntimo? Íntimo, como? É uma conversa banal. Podes falar sobre a exposição que viste no sábado, o concerto de ontem, o almoço naquela quinta gira, os passeios, sei lá uma história qualquer. Mas isso só me interessa a mim e pouco mais. Não interessa às pessoas. Estás terrível hoje…

Mas é que apetece-me mesmo escrever. Só não sei sobre o quê... Irra! Escreve! Pausa. Então?! Que tom é esse? Estás impossível de aturar. Eu? Bolas! Será da chuva?



quinta-feira, 27 de março de 2014

Chuvas

O bom da chuva é que depois de cair, mesmo tormenta, a água há-de sempre seguir o sentido do rio. 

Maria Elena - Vicky Cristina Barcelona 





segunda-feira, 24 de março de 2014

Tango, primeira lição

Aprendi os meus primeiros passos de Tango.
Era algo que já queria ter tentado há muito mas receava apaixonar-me pela quente dança, tal era o entusiasmo que tinha para aprender os primeiros passos.
Num destes fins de tarde, arrisquei. Passei o dia a ouvir Piazzola para me inspirar para a aula e estive completamente entusiasmada ao longo do dia.

À hora da aula, o entusiasmo comeu-me por dentro e transformou-se numa enorme borboleta nervosa. Sentia-me tímida e envergonhada - nada habitual em mim. Senti-me nua na sala ampla, uma formiga naquele imenso soalho de madeira a brilhar.

Éramos mais mulheres que homens, como quase sempre nestas coisas. Estávamos quase todas enconstadas numa fila de trás, junto à parede. Eles, um pouco mais soltos.

Começou a ouvir-se um Tango na aparelhagem. Uma música envolvente, aveludada...

Eu estava numa ponta da última fila, quase escondida. Procurava olhar e aprender sem que dessem por mim. Esquerda em frente, direita ao lado. Esquerda atrás, direita atrás. Olhava para os pés dele. E dela. Procurava entender as voltas. E ele virou-a. E deu-lhe um toque no calcanhar. E a perna dela deslizou com elegância. E ele agarrou-a com firmeza. E ela desliza. E ele também. E enchem a sala. E o soalho de madeira, outrora gigante, apequenou-se.

O Professor deu mais uns passos, circulou pela sala, explicava a dança, a envolvência, a leveza. Fixou-nos. Mais uns passos. Avançou um metro, e outro, e mais outro. Olhou em volta. Veio buscar-me. A mim.

- Socorro, pensei. Logo a mim...
Estava anormalmente insegura. Queria primeiro aprender os passos e só depois atrever-me a arriscar com um par.
- Não lhe posso estragar um Tango, disse-lhe nervosa.

Agarrou-me nas costas. Ajeitou-nos os corpos, encaixando as mãos.
Olhou-me nos olhos e disse-me:
- Não tenha medo. Ao contrário do que parece, aqui no Tango é a mulher que manda.





sexta-feira, 21 de março de 2014

Ode à espera. Junto ao mar.

À espera.
Como quem espera a onda seguinte.
Como se a onda seguinte fosse diferente da onda ida.

À espera.
De uma nova vaga.
Como se a vaga de avenir mudasse a espuma desta.

À espera.
Que o mar revolto passe.
Que o espelho azul sossegue.

À espera.
Como se a seguir à maré cheia
Não viesse a maré vaza.

À espera.
Como se os búzios daquela outra
fossem mais brancos que os desta.

À espera.
Como se o mar de amanhã
Não fosse o mesmo de hoje.


"À espera dos barcos" - João Marques de Oliveira (1891)

domingo, 16 de março de 2014

Dar

- E hoje, o que me trouxeste?
- Hoje trouxe-te o sol. E chocolates.
- E tu, aí atrás?
- Eu? Trouxe-te o céu azul sem nuvens. E flores.
- E tu?
- Não trouxe nada. Mas queria ver-te. Trago-te um beijo.




quinta-feira, 13 de março de 2014

O Bukowski é que sabe

Ia escrever. Qualquer coisa, nem sei bem. Mas tropecei casualmente neste texto de Charles Bukowski partilhado nas redes sociais pelo jornalista Rui Pelejão. Decidi, então, não escrever mais nada hoje. O Bukowski é que sabe. E diz o seguinte:


"Se não sai de ti a explodir
apesar de tudo,
não o faças.

A menos que saia sem perguntar
do teu coração, da tua cabeça, 
da tua boca, das tuas entranhas,
não o faças.

Se tens que estar horas sentado
a olhar para um ecrã de computador
ou curvado sobre 
a tua máquina de escrever
procurando as palavras,
não o faças.

Se o fazes por dinheiro 
ou fama,
não o faças.

Se o fazes para teres
mulheres na tua cama,
não o faças.

Se tens que te sentar e
reescrever uma e outra vez,
não o faças.

Se dá trabalho só pensar em fazê-lo,
não o faças.

Se tentas escrever como outros escreveram,
não o faças.

Se tens que esperar 
para que saia de ti a gritar,
então espera pacientemente.

Se nunca sair de ti a gritar,
faz outra coisa.

Se tens que o ler primeiro à tua mulher
ou namorada ou namorado
ou pais ou a quem quer que seja,
não estás preparado.

Não sejas como muitos escritores,
não sejas como milhares de pessoas 
que se consideram escritores.

Não sejas chato nem aborrecido e pedante, 
não te consumas com auto-devoção.
As bibliotecas de todo o mundo têm
bocejado até adormecer
com os da tua espécie.
Não sejas mais um.

Não o faças.
a menos que saia da
tua alma como um míssil,
a menos que o estar parado
te leve à loucura ou
ao suicídio ou homicídio.

Não o faças.
a menos que o sol dentro de ti
te queime as tripas,
não o faças.

Quando chegar mesmo a altura,
e se foste escolhido,
vai acontecer
por si só 
e continuará a acontecer
até que tu morras ou morra em ti.

Não há outra alternativa.
e nunca houve."

Charles Bukowski


Charles Bukowski

terça-feira, 11 de março de 2014

Porque hoje é 11 de Março


Soneto do Amor Total

Amo-te tanto, meu amor, não cante
O humano coração com mais verdade
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade

Amo-te a fim de um calmo amor prestante
E amo-te além, presente na saudade
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante

Amo-te como um bicho, simplesmente,
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente

E de te amar assim, muito e amiúde
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude.

Vinicius de Moraes




Tristão e Isolda - Rogelio de Egusquiza 



















Eu não sei senão amar-te,
Nasci para te querer.
Ó quem me dera beijar-te,
E beijar-te até morrer.

Fernando Pessoa 



Sigmonde et Sieglinde - Rogelio de Egusquiza 











De Longe Te Hei-de Amar

De longe te hei-de amar
- da tranquila distância
em que o amor é saudade
e o desejo, constância.

Do divino lugar
onde o bem da existência
é ser eternidade
e parecer ausência.

Quem precisa explicar
o momento e a fragrância
da Rosa, que persuade
sem nenhuma arrogância?

E, no fundo do mar,
a Estrela, sem violência,
cumpre a sua verdade,
alheia à transparência.

Cecília Meireles



Ask me no more - Lawrence Alma-Tadema


segunda-feira, 10 de março de 2014

Cartas entre Aiko e Kiyomi

Querida Kiyomi,

Espero que estejas bem e que esta carta te encontre com melhor saúde. A medicação ter-te-á feito bem e os ares da montanha também, assim o desejo profundamente.

Por cá, os dias estão um pouco mais longos mas ainda demasiado cinzentos. Este fim-de-semana não saí. Nem sequer no sábado de manhã, ao Parque. Os corvos nem notarão a minha falta.

Ontem ouvi a vizinha velha nas escadas de conversa com a de cima. O mesmo falatório de sempre sobre o barulho dos cães que ladram, sobre o preço da consulta do veterinário do gato, sobre uma tal de Akemi que se separou por um amante, sobre a empregada que não veio por doença, e que ela diz ser por preguiça. Estou sem paciência. Aumento os violinos no gira-discos. Elas aperceberam-se disso. Insultaram-me de malcriado. Aumentei ainda mais os violinos.

Esta semana o Tadashi convidou-me para a festa de Primavera que vai realizar-se no fim deste mês de Março. Não lhe dei a certeza se irei. Não sei se a saudade de ti, nessa data, vai permitir-me contactar com pessoas. Hei-de escrever-lhe um postal, caso não vá.

Tenho andado para comprar um par de sapatos novos para estrear quando voltarmos ao teatro, como te prometi. Vi uns castanhos mas não gostei deles o suficiente para os comprar. Achas que o bico quadrado ainda se usa?

Fala-me de ti, minha Rainha. Como está essa tua pele aveludada com estes frios? E os teus cabelos, ao que cheiram nas montanhas? Sinto a falta do mel dos teus lábios.

A saudade já não se chama saudade. A saudade já tem o teu nome, minha doce Kiyomi.

Despeço-me teu, mais hoje que ontem,

Aiko

In the mood for love

sexta-feira, 7 de março de 2014

Ir

Poucas coisas me animam tanto como pensar no próximo destino de férias. Há viagens que não precisam de passaporte, nem de dinheiro, nem de bilhetes de avião. Consigo dar a volta ao mundo sentada aqui nesta cadeira onde escrevo. A internet ajuda, claro, mas a viagem começa no sorriso que se instala em todo o meu corpo assim que começo a estruturar o que me apetece fazer.

Só não estou já a fazer as malas porque sou, tradicionalmente, uma procrastinadora e só as faço de véspera (de madrugada se possível). Mas já quase podia partir amanhã. E esta madrugada trataria do (pouco) que falta.


terça-feira, 4 de março de 2014

El Ultimo Trago




El Ultimo Trago - Chavela Vargas

Tómate esta botella conmigo
En el último trago nos vamos
Quiero ver a qué sabe tu olvido
Sin poner en mis ojos tus manos

Esta noche no voy a rogarte
Esta noche te vas que de veras
Que difícil tener que olvidarte
Sin que sienta que ya no me quieras

Nada me han enseñado los años
Siempre caigo en los mismos errores
Otra vez a brindar con extraños
Y a llorar por los mismos dolores
Tómate esta botella conmigo
En el último trago me besas
Esperamos que no haya testigos
Por si acaso te diera verguenza

Si algún día sin querer tropezamos
No te agaches ni me hables de frente
Simplemente la mano nos damos
Y después, que murmure la gente

Nada me han enseñado los años
Siempre caigo en los mismos errores
Otra vez a brindar con extraños
Y a llorar por los mismos dolores

Tómate esta botellita conmigo
En el último trago nos vamos

Mechanical Dolls

Tim Walker é um fotógrafo de moda britânico e é excepcional. Recorre a modelos de carne e osso e dá-lhes a vida animada dos mundos imaginários que existem nos nossos sótãos de infância. Walker tem a maestria e a capacidade únicas de transformar o mundo real num infinitamente mágico episódio da Alice no País das Maravilhas.
Trabalha para a Vogue, a W Magazine, a Love Magazine, entre outras. Esta colecção "Mechanical Dolls" foi produzida para a Vogue Itália.
Apetece entrar no cenário, vestir estas personagens e assumir este mundo. Só falta a música de corda.
Thank you Mr. Tim Walker!




Que escrevo? Que hei-de dizer? Como vão acreditar numa boneca sem vida?
Quatro mãos e uma pena. E tanta tinta. E tanto ainda por escrever.





























Sem ar. E agora, quê? Está alguém aí? Sim, desse lado? 
Ouves-me, tu aí? Tu, que me olhas calado. Ouves-me? Preciso de ajuda!







E passar a vida à espera como quem espera a Primavera... Já voltaram as andorinhas?



























































Haverá saída? Como não? Havemos de lá chegar, um dia. Anda... Vens?
































Delicadeza. Silêncio. O teu Japão. E o meu.












E os papéis que assumes e os bigodes que usas e os espartilhos que te apertam e as bengalas
que tantas vezes te falham e a corda que nem sempre dá e a música que nem sempre toca.






















































Mechanical Dolls, Tim Walker, Vogue Italia. 
Selecção de fotografias e legendas de Ana Catarina Santos.


segunda-feira, 3 de março de 2014

Sunday Movie

Hoje foi noite de óscares. A madrugada ganhou magia.
O glamour, as estrelas, os sorrisos, os brilhantes, as roupas, as músicas, os dourados, os actores, as luzes, as passadeiras, as jóias, os sonhos, as actrizes, as lágrimas, os batons, os abraços, os beijos, as desilusões, os que perderam mas sorriem, os que ganharam e choram, os encantos, os recantos, os que dançam, os que cantam, os que não apareceram, os que aparecem sempre, a esperança, "será desta?", a desilusão, "para o ano há mais", as mãos, os americanos, os hispânicos, os gays, as lésbicas, os afros, os asiáticos, os judeus, os mormons, a religião, a américa, a hipocrisia, a crença, o dinheiro, os dólares, o umbigo, o cinema, a arte, a magia, as dedicatórias, os agradecimentos, o acreditar, o tempo, a vida, os sonhos adiados, os óscares ao domingo à noite.