terça-feira, 7 de abril de 2015

O melhor

O melhor da minha Rádio. E há-que elogiá-los, os grandes homens, sempre. Principalmente enquanto estão(mos) vivos, enérgicos, activos. No dia em que partiu o grande Tolentino, venho aqui elogiar o "meu melhor". O Fernando Alves é o melhor da minha Rádio. Em minha opinião, é o melhor da Rádio toda. É meu mestre, o meu exemplo. O poeta da Rádio, sim. Ninguém faz Rádio como ele. O homem que faz filigrana com as palavras, o homem que escreve com arte e diz com coragem. O homem inquieto com a passividade dos outros. O homem desassossegado com o que se passa à sua volta. O homem que repara no que mais ninguém repara. O homem que todos devem ouvir. O homem que me ensina todos os dias. O meu querido Fernando Alves, que eu adoro e tanto admiro. És o melhor de todos!



segunda-feira, 30 de março de 2015

Uma música que escorre dos céus









O Mar, Fausto Bordalo Dias

E todo o mar se cobriu de infinitas riquezas
de anil e sedas e jóias e de odoríferas drogas
de si deitava nas praias moscatéis e licores
adoçando de sua bravura
o mar
nas margens adamascadas andam náufragos dispersos
mariscando lagostas ostras choupas taínhas
e bebem vinhos distintos de singulares aromas
se anda ao longo da costa em ofertas
o mar

E entregou Leonor
seus cabelos aos ventos
na quietude tão só
tão ausente de tudo
e mais quieta era a luz
no sossego das águas
e uma música escorre dos céus
devagar

E fazem tendas de aduelas de alcatifas majestosas
de outras peças de ouro e prata de cambraias e cetins
cobertas de colchas vermelhas de rosários de cristal
mas mais garrido do que toda aquela praia
o mar
e fazem velas das camisas e outras de damasco verde
as amarras de outros panos de veludo carmesim
de um remo fizeram o mastro
e a enxárcia de uma linha
e tão docemente embala este batel
o mar

Se todo o mar se cobriu de infinitas riquezas





terça-feira, 10 de março de 2015

Distraio-me com facilidade nos regressos

Distraio-me com facilidade nos regressos. É assim no carro, no metro, no comboio ou no avião.

Na idas sinto sempre uma tensão que faz com que torne fosca a luz do sol lá fora. Sinto que passo à pressa pela margem do rio sem o mimar. Atiro um olhar fugidio para o céu, olhar egoísta só para ver se me vai chover em cima. Às vezes nem tenho a certeza se o miro nos olhos. Deslizo o nariz pelos novos cheiros de pólen primaveris, mas não os sinto como merecem. Trituro a paisagem rasgada pela velocidade do lado de fora do vidro, sem vibrar. 

O regresso é diferente. Quase sempre já noite. Quase sempre já mais calmo. Silencioso, dócil, lento. Regresso com calma e com um leve sorriso distraído. E distraio-me com facilidade. Perco-me nos detalhes que ontem, também no regresso, não tinha reparado. Invento trajectos porque já não tenho pressa para ir pelo mais rápido. Esqueço-me dos mapas, das regras, dos ruídos, das preocupações. Cansada, mas mais solta. Exausta, por vezes, mas mais leve. Mais disponível para a surpresa. Mais atenta por estar distraída. Mais viva por estar de regresso.

A vida passa mais depressa nas idas.
  


sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

BES 4 You, Mister Prime Minister

Reparem nesta pérola que estava na empresa que Passos Coelho visitou hoje. 200 perguntas sobre o BES e 52 cartas. Serão as de Ricardo Salgado?
BES 4 you, Mister Prime Minister...



quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Da selvajaria ou a savana à portuguesa

Vinham em barda. Corriam como búfalos na savana. Cabos e microfones. Câmaras de televisão e flashes de fotografia. Saltos altos, mini-saias. Pastas e pastinhas. Assessores para dar e vender. Seguranças de auricular no ouvido. Altos, atentos. Cada Ministro e Secretário de Estado fazia-se acompanhar pela sua tropa. Era um enxame de abelhas à volta de um homem. Encontrões para cá, encontrões para lá. Pisadelas e amassos. “Céus, parece uma acção de campanha!”, desabafavam alguns.

O homem dos holofotes parava nos pontos estrategicamente indicados na lista pré-definida. A senhora baixinha da BTL, com uma pasta na mão, trazia um mapa fotocopiado com a planta da feira. Os stands estavam assinalados com marcador grosso cor-de-laranja. Era onde o homem dos holofotes teria de parar, nos stands “recomendados”. As abordagens friendly resultam sempre muito naturais, acreditam eles.

Os jornalistas, triste figura, atrás da “boca” de circunstância. Que mensagem informativa se passa com este tipo de trabalho? Enfim. Vinham em barda, sim. Corriam como búfalos na savana, sim. Agora uma pergunta de circunstância: “então não prova os doces, senhor Primeiro-Ministro?” E a resposta de circunstância. Vazia. E seguia a banda. E agora outra pergunta de circunstância, mas – importante - para o directo da tv. Ajeita o cabelo, sabe que está na tela. Estridente a perguntinha: “e tem motivos para brindar? Vai brindar ao quê, Senhor Primeiro-Ministro?” Gargalhadinhas dos assessores e daquele amontoado de gente. E a resposta vazia. E mais uns empurrões. E segue a banda.

O gabinete do PM tinha avisado que ele não iria falar com a imprensa à margem do tema do dia, o Turismo. Falaria no palanque sobre isso e mais nada. Era a informação oficial do gabinete. Mas das duas uma: ou o PM não sabia disto, ou não cumpriu o estipulado.

Conhecendo as falhas na comunicação do gabinete do chefe do Governo de Portugal, os jornalistas, ou pelo menos os que por ali andavam de microfone estendido debaixo do queixo do homem como que à espera da esmola da boca vazia, insistiam.

E não é que entre os queijos de São Jorge, as cortiças do Alentejo e os tamancos do Minho o homem falou sobre o Plano Grego apresentado em Bruxelas? E não é que com os dedos peganhentos da Ginginha e à frente do boneco cabeçudo do Galo de Barcelos, o homem falou sobre a Grécia? Não é inacreditável? Não há sentido de Estado na savana.

Não sei o que é pior. Se a barda de jornalistas a prestarem-se a esta figura ou se o homem dos holofotes a prestar-se àquilo. Venha o diabo e escolha.

Siga a banda. Em barda, como eles gostam. “Para parecermos muitos”.






sábado, 21 de fevereiro de 2015

Sonho silencioso


Há menos de dois anos estive no Japão. Foi a viagem da minha vida. Hoje acordei lá. Sonhei que estava no Japão. Talvez em Kyoto, era lugar incerto. Havia cores, havia imagens, telhados, casas, memórias misturadas talvez. Havia jardins, palácios, árvores. Havia plantas, flores, pedras, pontes, caminhos, trilhos. Sim, havia trilhos estreitos. Seguros, esverdeados, húmidos. E eu por ali andava, em silêncio, em paz. Não havia pessoas. Ou se havia, estavam caladas a observar-me. O sonho silencioso do Japão voltou a atacar-me.



quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Dedos petulantes

É nas épocas de aperto que maior é a minha necessidade de escrever. É quando não tenho tempo para nada que os meus dedos me pedem descanso do trabalho e visitas à escrita.
É quando passo mais horas ao computador que mais sinto necessidade de vir visitar-te, querido Diário. Esta mania terrível de os meus dedos tomarem conta de mim, de abusarem do meu tempo, de dominarem a minha vontade... Irritam-me vocês! Sim, os dez. Seus dedos petulantes!
Agora, que já arejaram, importam-se de me deixar voltar ao recato do trabalho?




sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

A Mimi

Vi-a no Verão passado. Estava queimadinha da praia, vestido leve e floral, sandálias baixas, pés tratados, cheia de colares e pulseiras coloridas. Tinha um ar saudável e feliz.

Cruzámo-nos na rua e rasgou um sorriso gigante, muito branco, olhos muito brilhantes e um sonoro “olá, há tanto tempo!”

A Mimi era mais velha que eu uns anos. Nunca estudámos juntas, ela era da Comercial, eu do Liceu. Na verdade nem sei bem como ou quando nos conhecemos. Teremos estado juntas em algum jantar de amigos comuns, em alguma festa.

Nunca conversámos sobre a nossa vida, falávamos sempre de passagem, dizíamos sempre um “olá” sorridente, seguido de um “tudo bem?”. A Mimi tinha sempre um mimo: “estás tão linda” ou “cada vez mais bonita” ou “vi-te na televisão!”. A Mimi estava sempre sorridente e era sempre simpática.

Na última vez que nos cruzámos acenou e soltou palavras doces no meio do sorriso rasgado: “um dia destes temos que tomar um café!”

Não tomámos. Nem vamos tomar.

A Mimi foi assassinada ontem pelo homem com quem vivia. O sorriso feliz da Mimi escondia cicatrizes, agressões, maus tratos e violência. A violência doméstica é crime. A Mimi procurou ajuda, procurou fugir da morte. Já tinha feito queixas. Já tinha procurado ajuda. Voltou para casa. Voltava sempre para casa, sabendo o que a esperava todos os dias. Mas na rua sorria para os outros. Tal como sorria para mim. E tinha sempre um mimo para oferecer. E tinha sempre um sorriso bonito.

A Mimi ligou à Polícia horas antes de morrer. Queixou-se da agressão. O homem com quem vivia ia matá-la, como ameaçava todos os dias. A Polícia não apareceu logo. O caso estava sinalizado. As instituições catalogaram o caso da Mimi como sendo de “baixo risco”. A Mimi foi morta. Assassinada com uma faca de cozinha na casa onde sabia que ia ser morta um dia. Na casa onde sempre voltava ao fim do dia depois de espalhar sorrisos e mimos aos que a conheciam. A Mimi voltava a casa, o seu inferno diário, onde se ia deitar com o homem que a ia matar.

Ser Mulher não é isto. Ser Homem também não.








sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

E tu, és Charlie?

- “Eu sou Charlie!”, disse ela com toda a certeza do mundo. 
- “És? Ou gostavas de ser?”
- “Eu? Eu sou, ora essa! Sou! Somos todos! Jornalistas e não só! Je suis Charlie! Nous sommes Charlie! Todos somos Charlie! Fui à manifestação. Gritei. Emocionei-me!”
- “Mas és Charlie todos os dias? Sempre?”
Pausa.
- “Acho que sim, bolas. Faço-o automaticamente. Ajo livremente. Conscientemente.”
Pausa interrogativa.
- “Hummm… Mas… Por exemplo, enviaram um repórter a Paris para cobrir os acontecimentos?”
Pausa preocupante.
- “Não… Infelizmente não…”
- “Porquê? Por que motivo?”
- “Pelo que me disseram, não havia dinheiro para isso.”
Pausa grave.
- “Vês? És Charlie só se tiveres dinheiro para ser Charlie. Não somos todos Charlie…”
- “Non! C’est pas vrai! És um castrador! És um materialista! Não é preciso dinheiro para se dizer a verdade! Oui, Je suis Charlie!!!”
- “Só sabes a verdade se tiveres dinheiro para a procurares. A imprensa não é nem está Charlie. Era bom que estivesse, mas não está. Não somos todos Charlie, querida… Lamento desiludir-te com a realidade. Mas fica-te bem sonhar. E gosto do teu sotaque francês…”






terça-feira, 6 de janeiro de 2015