sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

A Mimi

Vi-a no Verão passado. Estava queimadinha da praia, vestido leve e floral, sandálias baixas, pés tratados, cheia de colares e pulseiras coloridas. Tinha um ar saudável e feliz.

Cruzámo-nos na rua e rasgou um sorriso gigante, muito branco, olhos muito brilhantes e um sonoro “olá, há tanto tempo!”

A Mimi era mais velha que eu uns anos. Nunca estudámos juntas, ela era da Comercial, eu do Liceu. Na verdade nem sei bem como ou quando nos conhecemos. Teremos estado juntas em algum jantar de amigos comuns, em alguma festa.

Nunca conversámos sobre a nossa vida, falávamos sempre de passagem, dizíamos sempre um “olá” sorridente, seguido de um “tudo bem?”. A Mimi tinha sempre um mimo: “estás tão linda” ou “cada vez mais bonita” ou “vi-te na televisão!”. A Mimi estava sempre sorridente e era sempre simpática.

Na última vez que nos cruzámos acenou e soltou palavras doces no meio do sorriso rasgado: “um dia destes temos que tomar um café!”

Não tomámos. Nem vamos tomar.

A Mimi foi assassinada ontem pelo homem com quem vivia. O sorriso feliz da Mimi escondia cicatrizes, agressões, maus tratos e violência. A violência doméstica é crime. A Mimi procurou ajuda, procurou fugir da morte. Já tinha feito queixas. Já tinha procurado ajuda. Voltou para casa. Voltava sempre para casa, sabendo o que a esperava todos os dias. Mas na rua sorria para os outros. Tal como sorria para mim. E tinha sempre um mimo para oferecer. E tinha sempre um sorriso bonito.

A Mimi ligou à Polícia horas antes de morrer. Queixou-se da agressão. O homem com quem vivia ia matá-la, como ameaçava todos os dias. A Polícia não apareceu logo. O caso estava sinalizado. As instituições catalogaram o caso da Mimi como sendo de “baixo risco”. A Mimi foi morta. Assassinada com uma faca de cozinha na casa onde sabia que ia ser morta um dia. Na casa onde sempre voltava ao fim do dia depois de espalhar sorrisos e mimos aos que a conheciam. A Mimi voltava a casa, o seu inferno diário, onde se ia deitar com o homem que a ia matar.

Ser Mulher não é isto. Ser Homem também não.








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